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O Professor Pardal do Capitalismo

O Professor Pardal do Capitalismo

Cientista paraibano, Silvio Meira tem métodos pouco convencionais para lecionar ou dar palestras. Pode aparecer vestido de índio, árabe ou batuqueiro de maracatu.

Por Murillo Camarotto – Do Recife

Como ocorre todo ano desde 1995, em fevereiro último o bloco de maracatu Cabra Alada se preparava para mais um desfile pelo centro do Recife, festividade já tradicional da quinta-feira que antecede o Carnaval. A poucos quilômetros dali, no bairro de Boa Viagem, o primeiro escalão da operadora de telefonia Claro estava a postos para mais um de seus também periódicos encontros, onde seria discutida a estratégia da empresa para o segmento de inovação tecnológica.

Eis que surge na sala de reuniões um dos membros da percussão da Cabra Alada, devidamente paramentado com chapéu, turbante, fitas e demais adereços para lá de exóticos. A inevitável surpresa dos executivos beirou a incredulidade quando o batuqueiro foi anunciado como o palestrante que teria a função de apresentar os cenários futuros que a operadora deveria considerar na elaboração de sua estratégia de inovação.

O ofício de guru no lucrativo circuito das palestras corporativas é a mais nova faceta do cientista Silvio Romero de Lemos Meira, batuqueiro da Cabra Alada e uma das maiores autoridades brasileiras em Tecnologia da Informação (TI). Paraibano de 55 anos, Meira já foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico (1999) e a Ordem do Rio Branco (2001). Ele também é um dos principais responsáveis por transformar Recife em um respeitado polo de produção de software, cujo faturamento anual que já beira os R$ 600 milhões.

“Sou responsável por descobrir perguntas, e não por achar respostas. A maioria das coisas eu nem sei fazer”

Em sua sala repleta de indecifráveis avisos nas paredes, como fórmulas de matemática e símbolos exóticos, Silvio conta que ensinar as empresas a fazer uso estratégico das redes sociais tem sido o tema principal de suas palestras mais recentes, que andam custando em torno de R$ 15 mil por 40 minutos. Segundo ele, as corporações brasileiras, em sua vasta maioria, usam as redes sociais de forma “ingênua e rudimentar”, motivo pelo qual é comum ver o cientista desafiar graduados executivos, ao dizer que suas companhias não passam de “abstrações”.

“As empresas têm que usar as redes sociais como estratégia de negócio. Os exemplos são mundiais. Empresas que botaram aplicações em redes sociais para relacionamento com os clientes, onde os funcionários também foram incluídos, aumentaram em 50% a performance de atendimento ao cliente final”, exemplificou Meira. “Há outras que reconhecem que 70% do desenvolvimento de produtos é feito em comunidade, ou seja, trazendo as pessoas para dentro, para sistematizar a interação em relação ao produto que será lançado”, explicou.

Entusiasmado, Meira citou o exemplo da montadora americana Local Motors, de Boston, que aglutinou em uma rede social um exército de quase 40 mil designers para contribuírem na confecção de um novo modelo. “O carro foi todo desenhado de fora para dentro da empresa e ninguém ganhou um centavo. As pessoas estão ali (na rede) porque elas têm um ideal de carro e ele começou a ser efetivamente produzido. Esse é um caso paradigmático desse negócio”, conta o cientista.

Quando se fala em Brasil, ele ressalta, as oportunidades são ainda mais evidentes. Cerca de 95% dos usuários de internet no país estão em alguma rede social, ante uma média mundial bem inferior, de 72%. “Se o seu negócio tem a ver com o Brasil, ele tem tudo a ver com redes sociais. E você tem que ter uma estratégia para isso, e para ontem”, recomenda Meira.

O professor acredita, porém, que o Brasil está na contramão dessa lógica, especialmente devido ao fato de que 55% das empresas adotam algum tipo de restrição ao uso de redes sociais pelos funcionários. Essas medidas soam, na sua avaliação, como um reconhecimento de que o trabalho ali desenvolvido “é tão desinteressante que você tem que cercear a liberdade das pessoas, para que elas continuem fazendo aquela “porcaria” que estão fazendo”.

“As empresas precisam se redesenhar ao redor de um novo tipo de indivíduo, que sabe muito mais, que está mais conectado. Agora há um “homus conectadus” na jogada.”

Criança curiosa, Meira soube aproveitar a chegada da eletricidade a Taperoá, no interior da Paraíba, no início dos anos 1960. “De repente, tinha uma tomada na parede e a possibilidade de a gente enfiar coisas ali e ver se explodia. Eu era o cara experimental”, brinca o professor, incentivado na época por sua família a trilhar o caminho da ciência. “Eu ganhava aqueles kits do pequeno químico, aquele projeto de montar rádio do Instituto Universal Brasileiro. Aí comecei a estudar Física e não tinha alternativa: fui fazer o curso de engenharia.”

Formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em 1977, Meira cursou mestrado em Ciência da Computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutorado em Computação na Universidade de Kent, na Inglaterra, de onde retornou em 1985. A partir de então, passou a dar aulas na UFPE e iniciou a montagem do centro de informática nessa universidade.

Segundo Meira, foi ali que começou a nascer o cientista dos negócios ou o “vendedor de futuro”, como ele mesmo se classifica. Sob seu comando, o centro de informática passou a funcionar como negócio, incubando novas empresas, identificando carências no mercado e oferecendo soluções. Em 1996 surgiu o Centro de Estudos em Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R), órgão sem fins lucrativos que fatura hoje R$ 50 milhões por ano e tem filiais em São Paulo, Sorocaba, Brasília e Curitiba.

Meira atribui ao complicado processo de estruturação do centro de informática o despertar de sua dialética e capacidade de liderança e persuasão. “Antes eu era um “lone ranger” (cavaleiro solitário)”, disse ele, com mais um dos termos estrangeiros que profere a todo instante.

No C.E.S.A.R , Meira ocupa o excêntrico posto de cientista-chefe, no qual tem a função de identificar necessidades das empresas no segmento de inovação. Cabe ao restante da equipe elaborar e oferecer as soluções. “Sou responsável por descobrir perguntas, e não por achar respostas”, afirma. “Na realidade, eu atuo como um “agent provocateur” (agente provocador). Não sou o cara que faz. A maioria das coisas eu não sei nem fazer”, admite.

“Meira tem a capacidade de criar o sonho e mobilizar as pessoas na sua realização. Ele é o cara que puxa a fronteira adiante. O papel dele é criar mercado, com sua capacidade de visualização e inteligência fora do comum. Ele verbaliza e vende”, resume o consultor Cláudio Marinho, ex-secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco e amigo de Meira.

Em 2000, os dois lideraram o projeto de implantação do Porto Digital, complexo que reúne hoje no centro do Recife cerca de 160 empresas do ramo de tecnologia da informação, entre elas gigantes como Microsoft e IBM. Uma das mais antigas no porto é a Neurotech, que produz sistemas voltados ao setor financeiro. Um de seus sócios, Paulo Adeodato, diz que Silvio Meira “tem neurônios a mais”. “Seu papel hoje não é mais de cientista, mas sim de difusor da aplicação da ciência na sociedade”, avalia.

Instado a desvendar um dos lembretes colado na parede de sua sala, no qual se lia a palavra MICE, Silvio tentou resumir a tarefa de rentabilizar a relação entre universidade e mercado. “Se você quiser levar a educação direto para o mercado, esqueça. educação tem que gerar conhecimento, que gera inovação e só aí se vai para o mercado”, explicou ele, apontando para as letras que formam a palavra MICE (Mercado, Inovação, Conhecimento, Educação).

Apesar de todo o conhecimento técnico, a capacidade empreendedora é o traço mais lembrado da personalidade de Silvio Meira. “Ele sempre chamou a atenção por ser uma pessoa brilhante, dinâmica, carismática. É, sem dúvida, um grande cientista e engenheiro, porém com um grande poder de mobilizar pessoas”, avalia Sérgio Resende, ministro de Ciência e Tecnologia e amigo de longa data de Meira.

Tantos elogios, evidentemente, inflam o ego. Um ex-aluno da UFPE, que preferiu não ter seu nome publicado, se queixa da soberba do professor Meira, ao afirmar que ele se acostumou a não ser contestado e que seu humor oscila quando isso acontece. “Silvio tem uma megalomania bem trabalhada no que tange ao marketing pessoal”, brinca o ex-secretário pernambucano, Cláudio Marinho.

Além do posto no C.E.S.A.R, Silvio Meira preside o conselho gestor do Porto Digital, dá aulas de pós-graduação na UFPE, produz um boletim semanal na rádio CBN, uma coluna mensal na “Folha de São Paulo” e alimenta seu blog. Por estar “conectado 24 horas por dia”, garante que as cerca de três palestras por semana não atrapalham as demais atividades. Seu amigo Marinho crê, no entanto, que as palestras serão cada vez mais frequentes. “Esse é o negócio dele hoje”, diz.

Meira diz que a fantasia de batuqueiro foi uma condição imposta por ele para palestrar aos executivos da Claro, já que não haveria tempo hábil para se trocar e chegar a tempo na Cabra Alada. No entanto, aparições pouco convencionais ocorreram outras vezes. “Já fui dar aula na faculdade vestido de árabe e com cocar de índio. É para provocar um pouco as pessoas, que muitas vezes estão na zona de conforto”, contou ele, pouco antes de encerrar a entrevista, com a frase: “Sorry, your time is over!” (Lamento, seu tempo acabou!).

Fonte: Valor Econômico

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